MERGULHO NO
CORPO HUMANO
Fonseca nunca deveria ter ido àquele boteco, em frente ao Bar do Manéu, e comer
aquela maldita coxinha. Coitado, também não poderia adivinhar o que
lhe aconteceria com aquele ato impensado. A revolução que causaria
naquele corpo humano. Fatos que marcariam sua vida para sempre.
Não tinha nenhum cartaz convidando o
cliente para visitar a cozinha daquele botequim. Mas mesmo assim
Fonseca teve a impressão de que era tudo muito limpinho. Parecia até
que o bolinho de bacalhau tinha feito a barba de manhã...
Ele colocou no balcão a pasta
monstruosamente pesada, carregada de amostras grátis, folhetos e o
escambau. Ele era representante de laboratório farmacêutico.
Já naquele fim de dia o estômago do
Fonseca roncava mais que avó com desvio de septo, dormindo de
barriga pra cima...
Ele tinha que comer alguma coisa com
urgência. Mas estava duro, só lhe restavam uns trocados no bolso.
Aliás a situação tava tão braba que já tinha vendedor de
biscoito comendo o mostruário...
Muito bem. Fonseca parou no boteco e,
cheio de fome, pediu uma coxinha de galinha. Uma singela coxinha de
galinha.
Foi aí que tudo começou. As
cortinas se abriram e começou o grande show!
As glândulas do Fonseca começaram a
entrar em erupção só de imaginar que iriam trabalhar em algum
alimento consistente naquele dia.
A coxinha estava feliz. Ninguém
queria nada com ela fazia semanas. Nem mesmo tinha recebido uma
lambidinha do garçom. Ela chegou a sorrir, lânguida e dengosa,
quando Fonseca a acomodou no guardanapo.
As enzimas aplaudiam antecipadamente
a visita da coxinha no estômago. Estavam no maior frenesi!
O suco gástrico estava até com dor
no pescoço, de tanto olhar para cima em direção à goela do
Fonseca. Não aguentava mais de tanta espera.
E como sempre, os irmãos colesterol
viviam às turras. Como Caim e Abel, tinha o mau e o bom.... O mau
esfregava as mãos de prazer, vendo possibilidades naquela coxinha,
sob olhares de reprovação do seu irmão bonzinho.
Mas nem tudo era festa.
O sensível fígado, como sempre,
ficava emburrado nessas situações. Com seus fartos bigodes, ar
sombrio e espírito conservador, não gostava nada do trabalho que
teria pela frente. Para quem não bebe, não fuma, não toma drogas,
aquela coxinha seria um desacerto naquele dia.
Mas não dava mais para segurar! Foi
dada a partida!
Tudo começou com a saliva que, com
ciúme e sem nenhum envolvimento, despachou a coxinha pela boca, sem
mais nem menos.
O porteiro esôfago, todo engalanado,
a deixava passar sem pedir ao menos os documentos. “Deveriam ter
mais cuidado com a fiscalização”, pensava a úlcera. Afinal, ela
podia ser “de menor”.
Sem dar bola pro azar, lá vinha a
coxinha, toda sexy, descendo e roçando nos músculos estriados, que
tinham acabado de fazer uma aula de aeróbica com o pulmão...
Tudo era festa naquele corpo
cavernoso!
Era um espetáculo magnífico! Dava
gosto de ver.
As enzimas pepsinas, inimigas e
concorrentes das enzimas “cocalinas”, viviam disputando espaço
naquele evento digestivo.
Madame digestão, com sua maquiagem
carregada e seu vestido florido, colocava um batalhão de bactérias
sedutoras para ajudá-la na recepção da recém-chegada coxinha.
Mas, perigosamente, as bactérias do cabaré, enquanto despiam a
coxinha, também criavam gazes que se acumulavam perigosamente no
corpo de Fonseca.
O duodeno, velho e experiente galã
de filmes mexicanos, não estava gostando nada disso...
Tava na cara que aquilo não ia
terminar bem.
Bem que os intestinos avisaram...
Numa contração involuntária, o
ânus se abriu e falou tudo para o esfíncter pilórico, seu
psicanalista. Deixou jorrar para o exterior todas as suas mazelas
psicofísicas e, junto a isso, uma fortíssima corrente exalante à
base de enxofre, infectando o ambiente.
E num flatos final, terminava ali
aquela magnífica orgia digestiva!
Ao Fonseca, coitado, depois de tudo
isso, restou a companhia da azia, uma menina bonitinha, mas muito
enjoada...