sábado, 14 de abril de 2012



BAR DO MANÉU
histórias que nunca se viu

O BAR DO MANÉU é o recanto mais simpático do Rio. Pra poucos. Fica encravado ali nas redondezas da Praça Mauá, cujo endereço não revelo nem sob tortura ou polpuda propina, pois o seu dono, Manéu dos Tremoços, sempre diz: “Não me tragam mais ninguém! Não me tragam mais ninguém! E eu não tô aqui pra perder o choro generoso que ele sempre coloca no meu copinho de cachaça.

Manuel Serafim de Oliveira, seu nome de batismo. Nascido em Trás dos Montes, Portugal, veio pro Brasil ainda novinho, numa segunda-feira gorda de Carnaval. Por que todo gringo que se preza e resolve ficar no Brasil, sempre chega numa “segunda-feira gorda de Carnaval?”

Manuel de Oliveira, que virou Manéu, trabalhou num secos e molhados na Rua do Riachuelo e, mais tarde, resolveu importar tremoços da santa terrinha. O negócio ia muito bem, mas a concorrência dos outros patrícios foi feroz e ele resolveu comprar um bar na rua...Ih, quase que eu entrego...e assim nos brinda com seus petiscos e aperitivos há mais de 50 anos. Embora seu negócio seja outro, continua sendo pra todo mundo o Manéu dos Tremoços.

Quando ele diz: “Não me tragam mais ninguém!”, na verdade não é uma imposição autoritária ou falta de tino pros negócios. É que o Bar do Manéu é a sua família e ele sempre fala que não quer “agregados” e que quando todo mundo morrer ele fecha o bar. Como se ele fosse ficar pra semente, ou melhor, pros tremoços...

Lá pinta de tudo. Do próspero empresário do ramo da siderurgia, Dorval de Alcântara Figueiras, ao Zé Mão no Chão, faxineiro aposentado do Edifício Serrador, ali na Cinelândia. Todos tratados por Manéu e seus garçons da maneira mais cordial e descontraída possível. Sem privilégios.

O que vamos revelar nesse pedaço da Internet são suas histórias. Umas hilárias, outras um pouco tristes, mas todas regadas a humor e um bom azeite português, pra descer mais fácil...


PAULO MORRÃO


O Paulão Morrão, na sexta-feira passada, começou a gritar a plenos pulmões no bar do Manéu: “O tesão não é estético!!!”.
Deixe eu explicar, primeiro, quem é o Paulão. Ele é um autêntico “barba e bolsa”. Manja o tipo? Meio, assim, um hippie que não deu certo e hoje faz colarzinho na Avenida Atlântica, sabecomé?

O Paulão, na década de 70, até que fez uma graninha com uma pousada em Arembepe, lá na Bahia, mas queimou tudo em “cigarros fortes”...

Ele vive sempre doidão. Parece até que ele pinga groselha nos olhos. Nessas horas de loucura, se alguém perguntar o nome dele, responde numa voz pastosa: “Escuta aqui...ó... dá pra fazer...uma pergunta mais fácil?...”.

Nós temos um amigo, o Sala, um judeu que freqüenta cartomante e candomblé e que, num daqueles feriados judaicos, que exigia jejum, comia com muita culpa um belíssimo filezão no Bar do Manéu.
O Paulão Morrão não conversou e mandou na lata: “Não se preocupa não, ô Sala, Deus tá muito ocupado. Ele tá almoçando um churrasco...”.
Depois dessa observação, o Sala, já mais descontraído, além da polenta frita, pediu mais linguicinha e chope gelado. Assim é o Paulão.

Mas, nessa sexta-feira aqui no Bar do Manéu, a que eu estava me referindo lá no início e que você agora não lembra porque não prestou atenção, ele falava de Bertioga.
A sua nova namoradinha, que ela chamava de “meu petisquinho”

Todo mundo no boteco sabia que ele nunca teve bom gosto nas companhias femininas, mas dessa vez ele tinha abusado. Eta mulher feia da peste! O cabelo da tal Bertioga era todo desgrenhado, caindo por cima dos olhos, parecia que tinha passado um furacão por ali. Os olhos vesgos e esbugalhados, um toco de cigarro apagado no canto da boca, boca essa que pertencia a uma cara que mais parecia uma cuíca. Para completar o quadro, sem bunda, mais magra que filé de borboleta e com um queixo que mais parecia uma castanha de caju.

Mas, como diz o Paulão, o tesão não é estético...

TEM GOSTO PRA TUDO

Estava lendo um dia desses sobre o tal Almir Klink, aquele navegador que adora dar a volta ao mundo sozinho num barquinho.
Tu já pensou, Juvenal? Pra não dizer que ele está absolutamente sozinho, parece que leva, nas viagens, um pacotinho de jujubas, 3 saquinhos plásticos para ele vomitar com as ondas gigantescas em alto-mar e uma fotografia do cãozinho de estimação...Mulher que é bom, nada.
Pô, Juvenal, quando esse cara volta, depois de seis meses, deve apresentar a mão direita tipo: “Essa aqui é a minha senhora...”.

Parece que o cara gosta mais de mar do que os próprios peixes, que adoram uma panela quente cheia de óleo, na cozinha lá de casa. Humm...com batatas cozidas, então, que delícia.

Mas, como diz o Toleta, um pernambucano muito invocado aqui do Bar do Manéu: “Tem gosto pra tudo”. Só que ele fala isso ingerindo carne seca no “óleo e óleo” em jejum.
Tá vendo só? Tem gosto pra tudo.

Existe gente que elege político corrupto. E o político “elege” a própria família para cargos bem remunerados. Tem gosto pra tudo.

O Julinho Sobradão pula invocado aqui do meu lado: “Não vai falar mal das bichas, hein, bofe?”. Meu amado leitor, deixa-me explicar: o meu amigo Julinho tá reclamando antecipado porque ele tem o apelido de Sobradão.
Explico melhor: é que ele não é muito alto, tá meio caído e “atende pela porta dos fundos”, você entendeu, né?
Tem gosto pra tudo...

Não tem aquele povo que no Carnaval se manda prum convento e fica rezando, enquanto outro passa, na mesma época, o dia inteiro pecando deliciosamente na gandaia? Então, tem gosto pra tudo.

Existe gente que gosta de jiló, quiabo, bife malpassado, café requentado, refrigerante diet, mulher magra, fumar até morrer, comida a quilo, calça apertada, reclamar da vida, bater em criança, apanhar da mulher, escrever “boa noite, vou dormir” no facebook.
Tem gente que adora fila, comer meleca escondido, avançar sinal de trânsito, brigar em supermercado, se fazer de trouxa, pensar que é esperto.

Tem gosto pra tudo. Tem gosto pra tudo...

quarta-feira, 11 de abril de 2012


MERGULHO NO CORPO HUMANO



Fonseca nunca deveria ter ido àquele boteco, em frente ao Bar do Manéu, e comer aquela maldita coxinha. Coitado, também não poderia adivinhar o que lhe aconteceria com aquele ato impensado. A revolução que causaria naquele corpo humano. Fatos que marcariam sua vida para sempre.
Não tinha nenhum cartaz convidando o cliente para visitar a cozinha daquele botequim. Mas mesmo assim Fonseca teve a impressão de que era tudo muito limpinho. Parecia até que o bolinho de bacalhau tinha feito a barba de manhã...
Ele colocou no balcão a pasta monstruosamente pesada, carregada de amostras grátis, folhetos e o escambau. Ele era representante de laboratório farmacêutico.

Já naquele fim de dia o estômago do Fonseca roncava mais que avó com desvio de septo, dormindo de barriga pra cima...
Ele tinha que comer alguma coisa com urgência. Mas estava duro, só lhe restavam uns trocados no bolso. Aliás a situação tava tão braba que já tinha vendedor de biscoito comendo o mostruário...
Muito bem. Fonseca parou no boteco e, cheio de fome, pediu uma coxinha de galinha. Uma singela coxinha de galinha.

Foi aí que tudo começou. As cortinas se abriram e começou o grande show!
As glândulas do Fonseca começaram a entrar em erupção só de imaginar que iriam trabalhar em algum alimento consistente naquele dia.
A coxinha estava feliz. Ninguém queria nada com ela fazia semanas. Nem mesmo tinha recebido uma lambidinha do garçom. Ela chegou a sorrir, lânguida e dengosa, quando Fonseca a acomodou no guardanapo.
As enzimas aplaudiam antecipadamente a visita da coxinha no estômago. Estavam no maior frenesi!
O suco gástrico estava até com dor no pescoço, de tanto olhar para cima em direção à goela do Fonseca. Não aguentava mais de tanta espera.
E como sempre, os irmãos colesterol viviam às turras. Como Caim e Abel, tinha o mau e o bom.... O mau esfregava as mãos de prazer, vendo possibilidades naquela coxinha, sob olhares de reprovação do seu irmão bonzinho.

Mas nem tudo era festa.
O sensível fígado, como sempre, ficava emburrado nessas situações. Com seus fartos bigodes, ar sombrio e espírito conservador, não gostava nada do trabalho que teria pela frente. Para quem não bebe, não fuma, não toma drogas, aquela coxinha seria um desacerto naquele dia.

Mas não dava mais para segurar! Foi dada a partida!
Tudo começou com a saliva que, com ciúme e sem nenhum envolvimento, despachou a coxinha pela boca, sem mais nem menos.
O porteiro esôfago, todo engalanado, a deixava passar sem pedir ao menos os documentos. “Deveriam ter mais cuidado com a fiscalização”, pensava a úlcera. Afinal, ela podia ser “de menor”.

Sem dar bola pro azar, lá vinha a coxinha, toda sexy, descendo e roçando nos músculos estriados, que tinham acabado de fazer uma aula de aeróbica com o pulmão...
Tudo era festa naquele corpo cavernoso!
Era um espetáculo magnífico! Dava gosto de ver.

As enzimas pepsinas, inimigas e concorrentes das enzimas “cocalinas”, viviam disputando espaço naquele evento digestivo.

Madame digestão, com sua maquiagem carregada e seu vestido florido, colocava um batalhão de bactérias sedutoras para ajudá-la na recepção da recém-chegada coxinha. Mas, perigosamente, as bactérias do cabaré, enquanto despiam a coxinha, também criavam gazes que se acumulavam perigosamente no corpo de Fonseca.

O duodeno, velho e experiente galã de filmes mexicanos, não estava gostando nada disso...
Tava na cara que aquilo não ia terminar bem.
Bem que os intestinos avisaram...
Numa contração involuntária, o ânus se abriu e falou tudo para o esfíncter pilórico, seu psicanalista. Deixou jorrar para o exterior todas as suas mazelas psicofísicas e, junto a isso, uma fortíssima corrente exalante à base de enxofre, infectando o ambiente.
E num flatos final, terminava ali aquela magnífica orgia digestiva!

Ao Fonseca, coitado, depois de tudo isso, restou a companhia da azia, uma menina bonitinha, mas muito enjoada...









MACHO, MUITO MACHO!


No Bar do Manéu, essa história é sempre lembrada quando algum valentão quer se alterar e partir pros conformes. “Não vem não, Mangabeira”, alguém nessas ocasiões sempre grita lá fundo do bar. E a gargalhada é geral.

Mangabeira era um sujeito atarracado e aparentando menos que os seus 62 anos, apesar das rugas que deixavam seu rosto parecendo um mapa fluvial...
Era forte como um touro. Queixo quadrado, pescoço curto, usava há anos uma peruca muito mal-ajambrada, para esconder uma calvície avançada.

Era do tipo que falava muito alto. E sempre contando vantagem. Com seu rosto avermelhado, proclamava em alto e bom som: “Eu sou é macho, muito macho!”.
A turma tinha que ficar horas ouvindo, incrédula, suas incríveis estórias de “coragem e heroísmo”.
Batendo na mesa e no peito, vociferava: “Eu sou um cabra muito macho! Eu já dei um tapa na cara do Gadafi!”. Moreira, um gozador de primeira, cochichava para quem estivesse ao seu lado: “Daqui a pouco ele vai dizer que comeu o cu do Lampião...”.

Um dia, chegou no bar exibindo um charuto cubano no canto da boca e relatou, em pormenores, como demoliu todo o exército de Batista, ajudando, assim, Fidel Castro tomar o controle da ilha.

Mangabeira não tinha limites.
Já tinha corrido em zigue-zague em campos minados de bombas em Angola, andado descalço em brasas vivas, passado a mão na bunda de Churchill.
A melhor delas era como tinha tirado com um tapa o binóculo do Hummel, a raposa do deserto, durante a segunda guerra mundial. Essa era demais! A turma não aguentava e sempre pedia detalhes, para aumentar o delírio do Manga. Ele chegava a se levantar e reproduzir a façanha em detalhes.

Outra muito boa era a da figuração que, segundo ele, tinha feito no filme Spartacus. “Aí, eu virei pro Kirk Douglas e falei: O papel era pra mim, mas vou te dar uma chance”.
Mas a verdade é que todo mundo no Bar do Manéu já estava acostumado com aquela presepada.
Se tivesse vivido em outra época, provavelmente teria afirmado que foi ele que tocou fogo em Roma...

Mas naquele dia de finados, a marra do Mangabeira ficou totalmente sob suspeita.
Clodovino chegou esbaforido e falou pro pessoal que o Manga estava em apuros. A moçada foi correndo pro prédio dele, pensando no pior. As versões eram várias. Como, em se tratando de Mangabeira ninguém botava fé em nenhuma delas, foi todo mundo lá conferir.
Bombeiros, ambulância, um monte de gente nas sacadas nos prédios vizinhos.

A gente ali, sem poder acreditar no que estava vendo.
Mangabeira, o machão, com uma garrafa de champanhe entalada no rabo!
Não podia ser verdade! A turma toda do Bar do Manéu assistindo incrédula aos seis bombeiros levando o Manga, o nosso macho Manga, com uma garrafa totalmente atochada no furico.
Na porta do prédio dele, uma bicha descabelada e totalmente desconsolada tentava, no meio da multidão, se explicar para a polícia: “Seu PM, a gente já tem um caso secreto há dez anos. Mas essa foi a primeira vez que ele pediu essa extravagância. Eu não pude fazer nada. Foi ele que insistiu. Eu juro...”.

A gente ficou embasbacado, com o queixo caído, olhando um para cara do outro, quando o Moreira salvou a noite dizendo: “Pessoal, é o seguinte, eu sempre desconfiei do Mangabeira, mas alguém pode me explicar por que todo travesti tem a voz do pato Donald...?”


sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012


NAQUELA TARDE DE VERÃO EM IPANEMA

Às vezes fico tomando uma cachacinha no Bar do Manéu e deixo a mente vagar por aí. Dessa vez ela rumou para os anos 60.

Era uma tarde ensolarada no Rio de Janeiro. Soprava uma brisa que acariciava, um cheirinho delicioso de maresia. Devia estar fazendo uns 30º mas naquela época ainda tínhamos camada de ozônio, portanto, sem protetor solar. Nessa tarde as ondas estavam ótimas e peguei vários “jacarés”. Estamos em 1962. Ipanema.

Saí da praia e caminhei pela Rua Montenegro, chegando ao bar Veloso. Sentei numa mesa com uns amigos. Pedi uma cachaça envelhecida em jequitibá e uma água com gás. Meu amigo que sentava à minha esquerda e tomava uísque, disse: Aroldinho, você tá certo. A gente deve valorizar nossas coisinhas. O outro amigo à minha direita deu um sorriso. A menina sentada à minha frente fumava distraída e o garçom colocava mais uma pedrinha de gelinho no uisquinho do meu amiguinho.

Entra uma menina de maiô de duas peças. Não se esqueçam: estamos em 62.
Compra cigarros pra mãe dela isso soubemos depois - e vai embora sem olhar pros lados. Nem era tão bonita assim. Tá bom, bonitinha. Mas meu amigo do uísque acha todas as mulheres do mundo lindas, sempre pedindo perdão às feias... Ele dizia: Que coisinha mais lindinha...
O meu amigo da direita, embora estivesse ocupado com o cabelo que lhe caía nos olhos, teve tempo de acrescentar: Uma graça.

Ciumenta, a amiga que sentava à nossa frente fez uma cara feia e ameaçou ir embora. Eu, impedindo, segurei na sua mão e disse: Não liga não. Ela só vem por aqui e passa. Ou compra cigarros pra sua mãe ou vai na costureira.

A gente estava sentado perto do banheiro, numa mesinha discreta, com o caixa bem próximo.

De repente, volta a menina, aquela do maiô de duas peças e vai direto ao caixa. Tinha esquecido o troco: 5.000 cruzeiros.
Era uma nota ainda nova, pois tinha sido lançada em 1961 pela Casa da Moeda do Brasil. Era conhecida como a nota do índio por trazer estampado o rosto de um primeiro habitante de nossas terras. Só que com a inflação ela pulou de 5 para 5.000 cruzeiros.

Ela embolsou a grana e foi embora. Mas conseguiu chamar de novo nossa atenção.
Meu amigo da esquerda falou: Que coisa mais linda... O amigo da direita: Mais cheia de graça... E eu completei: É ela menina que vem e que passa...
Nesse momento, a menina que sentava à nossa frente apagou o cigarro, deu um gole no chope, tirou a bolsa do encosto da cadeira e falou: Ah, por que tudo é tão triste...?
Levantou-se e foi embora.

O resto? É história.

VAI TOMAR NA COZINHA


...Encha o vidro com alho branco descascado. Coloque duas colheres de sal e chacoalhe o vidro para o sal se espalhar. Deixe descansar por um dia para desidratar. O alho vai soltar um pouco de água. Jogue a água fora depois de 24 horas. Deixe o alho descansar dentro do vidro por mais três dias sem mexer....Depois...”

Eu anotava rapidamente a receita de alho curtido que Morais, o chef de cuisine do Bar do Manéu, me passava. Tinha pressa. Precisava preparar essa iguaria até a semana seguinte e o processo todo leva doze dias. Bota sal, tira, coloca vinagre, lava, repousa no azeite e por aí vai. É meticuloso. Exige paciência.
Esse alho curtido é pra ser comido como petisco e acompanhado de uma cachaça ou uma cerveja boçalmente gelada, é pra ser apreciado de joelhos e mãos postas. Já sei, você tá pensando que fica aquele gosto forte de alho, né? Que nada... O processo que o Morais me ensinou tira todo o ardor do alho, fica só a essência celestial...Se você quiser a receita toda, me passa um e-mail que eu te digo.

Gosto de batucar umas panelas com colher de pau. Vou da feijoada à indiana, passando pelo bobó de camarão e rabada, fazendo um pit stop no cozido e no robalo recheado com mariscos, dando uns petelecos nas pastas árabes e por aí vai minha estrada gastronômica. Abomino miojo e detesto “mixidinho”, comida de preguiçoso.

Muito se fala: cozinhar é uma arte. Concordo. A arte da sutileza dos temperos. A arte das misturas inusitadas. A arte da comida colorida nos tons e sabores certos.

Conheço algumas pessoas que são mestres-cucas na verdadeira acepção da palavra e eu nunca perco uma chance de aprender um prato novo.
Quando morei em Salvador, queria aprender a real muqueca de peixe na fonte, na partitura original. Não tive dúvida, colei numa amiga que é uma pedrada na cozinha. Ela faz de tudo, bem e gostoso.

Papel e caneta, lá fui eu: cebola, tomate, coentro à vontade. Anotava tudo rapidamente e com a letra descabelada. O segredo era o coentro que eu botava com uma modéstia de um padre franciscano e, na verdade, tem que ser com a generosidade que o Malaquias, o melhor garçom do Rio, serve as minhas doses de cachaça. Bastantão.

Nessa mesma parada soteropolitana, entre outras iguarias, aprendi a fazer manteiga de linhaça. Deixa de molho de um dia pro outro, coloca cebola, um dentinho de alho que não tenha cárie e uma pitada Chanel nº5 de sal. Bate tudo no liquidificador, coloca num vidro, sela com azeite, guarda na geladeira. Depois é só passar no pão ou colocar na salada.
Hummm...que delícia, Sil Psi.
Essa manteiga é muito boa para manter as veiotas em dia. Eu disse veiotas, relativo a veias e não velhotas, relativo a “véias”...

Sil Psi é uma amiga mineiríssima que na cozinha só sabe fazer pescado. Mineira cozinhando frutos do mar? Seria o mesmo que gaúcho fazendo uma buchada de bode. Mas é como eu digo: A cozinha é democrática! Nas suas quatro paredes vale tudo! Só não pode pegar e provar a carne da feijoada com a mão porque azeda...

Quem às vezes perde a paciência é o Manéu, dono do bar que leva o seu nome.

Um dia desses, Romerinho, um bebum que de tempos em tempos aparece por lá, tava mais torto que anzol e ficou enchendo o saco do Manéu: Ô, portuga! Ô, portuga! Me fala aí: É verdade que um maratonista português perdeu uma corrida porque parava no sinal vermelho?
Manéu, fingindo que não ouvia, só balançava a cabeça.

E Romerinho insistia: Ô, portuga! Ô, portuga! Me fala aí: É verdade que um português de Coimbra pediu pro patrício aqui do Brasil um papagaio e o daqui mandou uma coruja, e depois de três meses o patrício daqui perguntou: E aí? O papagaio está a falare? E o patrício de lá falou: Falare ainda não está a falare não, mas presta uma atenção...

Romerinho emendou com uma gargalhada, pedindo na sequência ao Manéu: Escuta, portuga, me vê uma garrafinha d´água. Já tô bom de cerveja por hoje.

Eu pensei logo: Ih, vem chumbo grosso aí...
Não deu outra. Romerinho levantou na rede pro Manéu cortar.

O português olhou bem na cara do manguaça e lascou: Ô, gajo, vai tomar na cozinha!