sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012


VAI TOMAR NA COZINHA


...Encha o vidro com alho branco descascado. Coloque duas colheres de sal e chacoalhe o vidro para o sal se espalhar. Deixe descansar por um dia para desidratar. O alho vai soltar um pouco de água. Jogue a água fora depois de 24 horas. Deixe o alho descansar dentro do vidro por mais três dias sem mexer....Depois...”

Eu anotava rapidamente a receita de alho curtido que Morais, o chef de cuisine do Bar do Manéu, me passava. Tinha pressa. Precisava preparar essa iguaria até a semana seguinte e o processo todo leva doze dias. Bota sal, tira, coloca vinagre, lava, repousa no azeite e por aí vai. É meticuloso. Exige paciência.
Esse alho curtido é pra ser comido como petisco e acompanhado de uma cachaça ou uma cerveja boçalmente gelada, é pra ser apreciado de joelhos e mãos postas. Já sei, você tá pensando que fica aquele gosto forte de alho, né? Que nada... O processo que o Morais me ensinou tira todo o ardor do alho, fica só a essência celestial...Se você quiser a receita toda, me passa um e-mail que eu te digo.

Gosto de batucar umas panelas com colher de pau. Vou da feijoada à indiana, passando pelo bobó de camarão e rabada, fazendo um pit stop no cozido e no robalo recheado com mariscos, dando uns petelecos nas pastas árabes e por aí vai minha estrada gastronômica. Abomino miojo e detesto “mixidinho”, comida de preguiçoso.

Muito se fala: cozinhar é uma arte. Concordo. A arte da sutileza dos temperos. A arte das misturas inusitadas. A arte da comida colorida nos tons e sabores certos.

Conheço algumas pessoas que são mestres-cucas na verdadeira acepção da palavra e eu nunca perco uma chance de aprender um prato novo.
Quando morei em Salvador, queria aprender a real muqueca de peixe na fonte, na partitura original. Não tive dúvida, colei numa amiga que é uma pedrada na cozinha. Ela faz de tudo, bem e gostoso.

Papel e caneta, lá fui eu: cebola, tomate, coentro à vontade. Anotava tudo rapidamente e com a letra descabelada. O segredo era o coentro que eu botava com uma modéstia de um padre franciscano e, na verdade, tem que ser com a generosidade que o Malaquias, o melhor garçom do Rio, serve as minhas doses de cachaça. Bastantão.

Nessa mesma parada soteropolitana, entre outras iguarias, aprendi a fazer manteiga de linhaça. Deixa de molho de um dia pro outro, coloca cebola, um dentinho de alho que não tenha cárie e uma pitada Chanel nº5 de sal. Bate tudo no liquidificador, coloca num vidro, sela com azeite, guarda na geladeira. Depois é só passar no pão ou colocar na salada.
Hummm...que delícia, Sil Psi.
Essa manteiga é muito boa para manter as veiotas em dia. Eu disse veiotas, relativo a veias e não velhotas, relativo a “véias”...

Sil Psi é uma amiga mineiríssima que na cozinha só sabe fazer pescado. Mineira cozinhando frutos do mar? Seria o mesmo que gaúcho fazendo uma buchada de bode. Mas é como eu digo: A cozinha é democrática! Nas suas quatro paredes vale tudo! Só não pode pegar e provar a carne da feijoada com a mão porque azeda...

Quem às vezes perde a paciência é o Manéu, dono do bar que leva o seu nome.

Um dia desses, Romerinho, um bebum que de tempos em tempos aparece por lá, tava mais torto que anzol e ficou enchendo o saco do Manéu: Ô, portuga! Ô, portuga! Me fala aí: É verdade que um maratonista português perdeu uma corrida porque parava no sinal vermelho?
Manéu, fingindo que não ouvia, só balançava a cabeça.

E Romerinho insistia: Ô, portuga! Ô, portuga! Me fala aí: É verdade que um português de Coimbra pediu pro patrício aqui do Brasil um papagaio e o daqui mandou uma coruja, e depois de três meses o patrício daqui perguntou: E aí? O papagaio está a falare? E o patrício de lá falou: Falare ainda não está a falare não, mas presta uma atenção...

Romerinho emendou com uma gargalhada, pedindo na sequência ao Manéu: Escuta, portuga, me vê uma garrafinha d´água. Já tô bom de cerveja por hoje.

Eu pensei logo: Ih, vem chumbo grosso aí...
Não deu outra. Romerinho levantou na rede pro Manéu cortar.

O português olhou bem na cara do manguaça e lascou: Ô, gajo, vai tomar na cozinha!

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