VAI
TOMAR NA COZINHA
“...Encha
o vidro com alho branco descascado. Coloque duas colheres de sal e
chacoalhe o vidro para o sal se espalhar. Deixe descansar por um dia
para desidratar. O alho vai soltar um pouco de água. Jogue a água
fora depois de 24 horas. Deixe o alho descansar dentro do vidro por
mais três dias sem mexer....Depois...”
Eu
anotava rapidamente a receita de alho curtido que Morais, o chef
de cuisine do Bar do Manéu, me passava. Tinha pressa. Precisava
preparar essa iguaria até a semana seguinte e o processo todo leva
doze dias. Bota sal, tira, coloca vinagre, lava, repousa no azeite e
por aí vai. É meticuloso. Exige paciência.
Esse
alho curtido é pra ser comido como petisco e acompanhado de uma
cachaça ou uma cerveja boçalmente gelada, é pra ser apreciado de
joelhos e mãos postas. Já sei, você tá pensando que fica aquele
gosto forte de alho, né? Que nada... O processo que o Morais me
ensinou tira todo o ardor do alho, fica só a essência
celestial...Se você quiser a receita toda, me passa um e-mail que eu
te digo.
Gosto
de batucar umas panelas com colher de pau. Vou da feijoada à
indiana, passando pelo bobó de camarão e rabada, fazendo um pit
stop no cozido e no robalo recheado com mariscos, dando uns petelecos
nas pastas árabes e por aí vai minha estrada gastronômica. Abomino
miojo e detesto “mixidinho”, comida de preguiçoso.
Muito
se fala: cozinhar é uma arte. Concordo. A arte da sutileza dos
temperos. A arte das misturas inusitadas. A arte da comida colorida
nos tons e sabores certos.
Conheço
algumas pessoas que são mestres-cucas na verdadeira acepção da
palavra e eu nunca perco uma chance de aprender um prato novo.
Quando
morei em Salvador, queria aprender a real muqueca de peixe na fonte,
na partitura original. Não tive dúvida, colei numa amiga que é
uma pedrada na cozinha. Ela faz de tudo, bem e gostoso.
Papel
e caneta, lá fui eu: cebola, tomate, coentro à vontade. Anotava
tudo rapidamente e com a letra descabelada. O segredo era o coentro
que eu botava com uma modéstia de um padre franciscano e, na
verdade, tem que ser com a generosidade que o Malaquias, o melhor
garçom do Rio, serve as minhas doses de cachaça. Bastantão.
Nessa
mesma parada soteropolitana, entre outras iguarias, aprendi a fazer
manteiga de linhaça. Deixa de molho de um dia pro outro, coloca
cebola, um dentinho de alho que não tenha cárie e uma pitada Chanel
nº5 de sal. Bate tudo no liquidificador, coloca num vidro, sela com
azeite, guarda na geladeira. Depois é só passar no pão ou colocar
na salada.
Hummm...que
delícia, Sil Psi.
Essa
manteiga é muito boa para manter as veiotas em dia. Eu disse
veiotas, relativo a veias e não velhotas, relativo a “véias”...
Sil
Psi é uma amiga mineiríssima que na cozinha só sabe fazer pescado.
Mineira cozinhando frutos do mar? Seria o mesmo que gaúcho fazendo
uma buchada de bode. Mas é como eu digo: A cozinha é democrática!
Nas suas quatro paredes vale tudo! Só não pode pegar e provar a
carne da feijoada com a mão porque azeda...
Quem
às vezes perde a paciência é o Manéu, dono do bar que leva o seu
nome.
Um
dia desses, Romerinho, um bebum que de tempos em tempos aparece por
lá, tava mais torto que anzol e ficou enchendo o saco do Manéu: Ô,
portuga! Ô, portuga! Me fala aí: É verdade que um maratonista
português perdeu uma corrida porque parava no sinal vermelho?
Manéu,
fingindo que não ouvia, só balançava a cabeça.
E
Romerinho insistia: Ô, portuga! Ô, portuga! Me fala aí: É verdade
que um português de Coimbra pediu pro patrício aqui do Brasil um
papagaio e o daqui mandou uma coruja, e depois de três meses o
patrício daqui perguntou: E aí? O papagaio está a falare? E o
patrício de lá falou: Falare ainda não está a falare não, mas
presta uma atenção...
Romerinho
emendou com uma gargalhada, pedindo na sequência ao Manéu: Escuta,
portuga, me vê uma garrafinha d´água. Já tô bom de cerveja por
hoje.
Eu
pensei logo: Ih, vem chumbo grosso aí...
Não
deu outra. Romerinho levantou na rede pro Manéu cortar.
O
português olhou bem na cara do manguaça e lascou: Ô, gajo, vai
tomar na cozinha!
Nenhum comentário:
Postar um comentário