SALVADOR, SEGUNDO UMA NATIVA DE LÁ
Salvador
sempre me causou um certo fascínio. A primeira vez que estive por lá
nos anos 70, disse de mim para mim e para todo mundo ouvir: Quero
morar aqui. Sei lá...o céu, a comida, o clima, a história da
cidade... a magia.
Mas
ao longo do tempo e da vida, comecei a ficar intrigado com a
passividade baiana diante dos problemas. Parecia que era mais
conveniente colocar os problemas embaixo do tapete. Bem escondido e
longe do mar pra Iemanjá não ver...
Fascinado
e intrigado, em 2010, lá fui morar por um ano inteiro. Essa
experiência única eu deixo pra contar pra quem quiser curtir num
outro momento porque agora eu estou ocupado em ouvir Fatiminha.
Enquanto
eu degustava uma cachacinha especial envelhecida em umburana, chegando a essas ilações sobre Salvador, minha amiga Fatiminha fazia inalações por conta de uma
renitente bronquite, aqui, você sabe onde? Vamos lá: um, dois,
três! Todo mundo junto! Onde? Onde? Isso!!! No Bar do Manéu. Manéu
dos Tremoços.
Quando
Fatiminha borrifa com a bombinha seu nariz e começa a mexer nos cabelos, claro que
uma coisa de cada vez, lá vem pronunciamento. E não deu outra.
Fatiminha
é uma baiana que veio morar no Rio nos anos 80. De raiva, ela partiu
de Salvador pra só voltar lá de vez em quando. Hoje mora em Santa
Tereza e tem um atelier de pintura. Faz coisas lindas em acrílico.
Pelas palavras dela você vai saber por que veio “de raiva”.
Quando
ela levanta o tom de voz, todo mundo fica com as orelhas em pé.
Antenor dedilhou umas notas como se fosse acompanhamento, mas recebeu
um cutucão de Mirinha e uma advertência: Shiu!
(Para
um melhor entendimento vou pontuar entre parêntesis, tá bom?)
“Olhe
aqui, começou Fatiminha, é uma vergonha! Por isso que eu saí
de lá de raiva. O baiano é um povo descarado! Veja! Eles
não se desgrudam de ACM!
(Quando
ouviu essa sigla,
Moreirinha fez três vezes o sinal da cruz)
(Por
quê? Todos
do bar perguntaram)
“Por
quê? Eu
digo por quê. Bastou uma grevezinha da Polícia Militar pra
esculhambar de vez Salvador. Homicídios, arrastões, saques,
assaltos, tiros, pancadarias.”
(Moreirinha
cochichou com Jaudério, o massagista: Disseram até que roubaram
todos os acarajés do Rio Vermelho... Jaudério não se segurou e
caiu na risada e falou: Assim não dá...assim não dá...vocês
querem me matar de tanto rir...)
Fatiminha
continuou agora subindo o tom da voz,
como se fosse uma candidata a deputada num palanque na Praça Castro
Alves: “É uma putaria!”
(
Antenor, ao
ouvir a palavra mágica,
não pode evitar um acorde sutil no violão e sussurrou para si
mesmo: Salve!)
“E
a Civil? Cadê a Civil pra garantir os cidadãos? (Continuou a
baiana, agora em cima de uma cadeira). “E alguns devem estar
falando: Com
ACM isso não ia acontecer. Que merda é essa? A gente não precisa
de painho nenhum! Precisa que o povo tome as rédeas. Que mostre a
sua força. Não adianta mostrar energia só no Carnaval. O que
mostra essa situação vergonhosa é que Salvador é uma cidade
despreparada. Onde já se viu? Shows cancelados quando a cidade só
ganha dinheiro nessa época do ano. Salvador tá mostrando que é um
barril de pólvora pronta pra explodir com qualquer peido!”
(Aí
não teve jeito. Foi gargalhada geral no Bar do Manéu)
Mas
Fatiminha não perdeu a pose e continuou.
“Como
uma cidade dessa vai querer bancar jogos da Copa do mundo? Uma cidade
sem segurança. Sem Polícia Civil e,
se tem, foi desarticulada na época da ditadura porque em Salvador só
vale a PM. Olha no Carnaval. Pra cada policial civil na rua tem 670
policiais militares truculentos.”
(Bom,
aí eu tenho que concordar. Quando eu estava no Carnaval e vinham
aqueles PMs
sinistros com cassetete na mão,
cutucando quem estivesse na frente deles, eu sempre olhava pro chão
pra ver se ninguém tinha se cagado nas calças...)
Dá-lhe
Fatiminha!
“Com
uma greve da PM,
a bandidagem tá à vontade na capital baiana. E vejam vocês.
Imaginem. Só imaginem. Imaginem se Salvador tivesse um, eu disse um,
Complexo do Alemão antes da ocupação, com a bandidagem dando tiro
a torto e a direito. Hein? Me digam? Como ia ser?
Antenor
pegou a deixa e mandou o recado com a música de um baiano ilustre:
Eu
vou pra Maracangalha
Eu
vou
Eu
vou de chapéu de palha
Eu
vou...
Quá,
quá, quá!!! O bar entrou em delírio com a sacada do Antenor.
Alguém pegou a baianinha no colo e deu-lhe um beijinho na testa.
Aplausos, assovios.
Daqui
do meio desse fuzuê, não sei se o Manéu vai me escutar, mas vou
tentar: Manéu, solta uma gelada e uma linguinha com cebola!
Que bom o Bar do Manéu trazer humor no meio de tantas notícias ruins da Internet! Parabéns!
ResponderExcluirValeu, Lúcia! A idéia é essa.
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