segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012


SALVADOR, SEGUNDO UMA NATIVA DE LÁ

Salvador sempre me causou um certo fascínio. A primeira vez que estive por lá nos anos 70, disse de mim para mim e para todo mundo ouvir: Quero morar aqui. Sei lá...o céu, a comida, o clima, a história da cidade... a magia.

Mas ao longo do tempo e da vida, comecei a ficar intrigado com a passividade baiana diante dos problemas. Parecia que era mais conveniente colocar os problemas embaixo do tapete. Bem escondido e longe do mar pra Iemanjá não ver...

Fascinado e intrigado, em 2010, lá fui morar por um ano inteiro. Essa experiência única eu deixo pra contar pra quem quiser curtir num outro momento porque agora eu estou ocupado em ouvir Fatiminha.

Enquanto eu degustava uma cachacinha especial envelhecida em umburana, chegando a essas ilações sobre Salvador, minha amiga Fatiminha fazia inalações por conta de uma renitente bronquite, aqui, você sabe onde? Vamos lá: um, dois, três! Todo mundo junto! Onde? Onde? Isso!!! No Bar do Manéu. Manéu dos Tremoços.
Quando Fatiminha borrifa com a bombinha seu nariz e começa a mexer nos cabelos, claro que uma coisa de cada vez, lá vem pronunciamento. E não deu outra.

Fatiminha é uma baiana que veio morar no Rio nos anos 80. De raiva, ela partiu de Salvador pra só voltar lá de vez em quando. Hoje mora em Santa Tereza e tem um atelier de pintura. Faz coisas lindas em acrílico. Pelas palavras dela você vai saber por que veio “de raiva”.

Quando ela levanta o tom de voz, todo mundo fica com as orelhas em pé. Antenor dedilhou umas notas como se fosse acompanhamento, mas recebeu um cutucão de Mirinha e uma advertência: Shiu!

(Para um melhor entendimento vou pontuar entre parêntesis, tá bom?)

“Olhe aqui, começou Fatiminha, é uma vergonha! Por isso que eu saí de lá de raiva. O baiano é um povo descarado! Veja! Eles não se desgrudam de ACM!
(Quando ouviu essa sigla, Moreirinha fez três vezes o sinal da cruz)

(Por quê? Todos do bar perguntaram)

“Por quê? Eu digo por quê. Bastou uma grevezinha da Polícia Militar pra esculhambar de vez Salvador. Homicídios, arrastões, saques, assaltos, tiros, pancadarias.”

(Moreirinha cochichou com Jaudério, o massagista: Disseram até que roubaram todos os acarajés do Rio Vermelho... Jaudério não se segurou e caiu na risada e falou: Assim não dá...assim não ...vocês querem me matar de tanto rir...)

Fatiminha continuou agora subindo o tom da voz, como se fosse uma candidata a deputada num palanque na Praça Castro Alves: “É uma putaria!”

( Antenor, ao ouvir a palavra mágica, não pode evitar um acorde sutil no violão e sussurrou para si mesmo: Salve!)

“E a Civil? Cadê a Civil pra garantir os cidadãos? (Continuou a baiana, agora em cima de uma cadeira). “E alguns devem estar falando: Com ACM isso não ia acontecer. Que merda é essa? A gente não precisa de painho nenhum! Precisa que o povo tome as rédeas. Que mostre a sua força. Não adianta mostrar energia só no Carnaval. O que mostra essa situação vergonhosa é que Salvador é uma cidade despreparada. Onde já se viu? Shows cancelados quando a cidade só ganha dinheiro nessa época do ano. Salvador tá mostrando que é um barril de pólvora pronta pra explodir com qualquer peido!”

(Aí não teve jeito. Foi gargalhada geral no Bar do Manéu)

Mas Fatiminha não perdeu a pose e continuou.
“Como uma cidade dessa vai querer bancar jogos da Copa do mundo? Uma cidade sem segurança. Sem Polícia Civil e, se tem, foi desarticulada na época da ditadura porque em Salvador só vale a PM. Olha no Carnaval. Pra cada policial civil na rua tem 670 policiais militares truculentos.”

(Bom, aí eu tenho que concordar. Quando eu estava no Carnaval e vinham aqueles PMs sinistros com cassetete na mão, cutucando quem estivesse na frente deles, eu sempre olhava pro chão pra ver se ninguém tinha se cagado nas calças...)

Dá-lhe Fatiminha!

“Com uma greve da PM, a bandidagem tá à vontade na capital baiana. E vejam vocês. Imaginem. Só imaginem. Imaginem se Salvador tivesse um, eu disse um, Complexo do Alemão antes da ocupação, com a bandidagem dando tiro a torto e a direito. Hein? Me digam? Como ia ser?

Antenor pegou a deixa e mandou o recado com a música de um baiano ilustre:

Eu vou pra Maracangalha
Eu vou
Eu vou de chapéu de palha
Eu vou...

Quá, quá, quá!!! O bar entrou em delírio com a sacada do Antenor. Alguém pegou a baianinha no colo e deu-lhe um beijinho na testa. Aplausos, assovios.

Daqui do meio desse fuzuê, não sei se o Manéu vai me escutar, mas vou tentar: Manéu, solta uma gelada e uma linguinha com cebola!


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